Procure nos arquivos. Talvez até no Google já tenha disponível. Mas procure assim: “falência da Portuguesa”. Se não ficar satisfeito, refaça sua pesquisa dessa maneira: “quantas vezes a Portuguesa já ameaçou deixar de existir”. E voilà, verás que um filho teu não foge à luta.
+ Com Rodrigo Fabri, Lusa participará da Copa Paulista de Futevôlei
Para muitos, a Lusa havia chegado ao fim na década passada. O caso Héverton foi só a bomba de nêutron necessária para tentar dizimar o clube do Canindé. Chegou-se ao cúmulo – vou frisar c-ú-m-u-l-o – de decretar que o fim Rubro-Verde seria parecido com o simpático Clube Tietê, tão rico e necessário à história dessa megalópole chamada São Paulo. Acreditavam que as dívidas levariam à leilão taças, campo, clube social até que não sobrasse vestígio da vencedora passagem da Portuguesa no futebol brasileiro. Vencedora sim, à frente entenderás.
Pois é, mas o mundo gira e a lusitana roda, como diria um velho e surrado ditado de Trás-os-Montes. Eis que a Portuguesa não morreu. Eis que sucessivas tentativas de leilões não ganharam a luz do dia. E eis que os troféus da Associação Portuguesa de Desportos foram recuperados e estão ali no Museu Dr. Eduardo de Campos Rosmaninho, muito bem cuidados por abnegados – esses sim merecem o adjetivo.
Não é de hoje que a Portuguesa incomoda o ecossistema do futebol brasileiro. Sinceramente, eu arrisco dizer que é desde sempre. Desde que os cinco clubes que se fundiram e deram origem ao time, hoje, da Cruz de Avis escolheram a denominação Associação Portuguesa de Desportos e não outro nome qualquer. O gentílico Portuguesa causa desconforto.
Nem vou arriscar a fazer óbvias relações, porque de tão naturais me causam preguiça. Mas o fato é um só: o nome incomoda. E muito.
Dito isso, o ecossistema da bola ficou tranquilo quando a Lusa deitou no esquife nos anos posteriores a 2013. Sim, porque ela se acomodou no invólucro e dali foi simples imaginar: a Lusa já era. É só esperar sair o cortejo e deixar o tempo desmontar o legado.
Vou resumir brevemente. Um legado de ter representado o Brasil na Europa nos anos 1950 e ter vencido os grandes da época. De ter dado à Seleção Brasileira sempre um jogador nas três primeiras conquistas de Copa do Mundo. De ter erguido com as muitas mãos rubro-verdes um complexo na Zona Norte de São Paulo, que ultrapassava os 100 mil sócios. E de ter um estádio desde o início dos anos 70 do século XX, sem incentivos fiscais, tão comuns ao nosso tempo.
Atrevida demais essa Portuguesa, não é mesmo? E pior. Ela ainda ousava brigar de igual para igual com as outras forças do futebol brasileiro, onde muitas vezes arbitrariedades dentro e fora de campo foram cometidas para que esse clube com as cores de Portugal não fosse mais adiante.
Só que tem um detalhe. O DNA da Portuguesa é de outra matiz. O código genético rubro-verde é do português que se meteu num vapor, chegou no Porto de Santos, com ou sem família e com uma mão na frente e outra atrás. Sem eira, sem beira e sem tribeira (entendedores entenderão).
É uma turma que não foi criada no leite com Pêra, porque simplesmente lhe foi negada a iguaria. É um pessoal que precisaria ter dois, três empregos, dormir, por exemplo, em um cinema e reunir energia, força para seguir na batalha. Então, não havia espaço para pensar em perder ou como dar a volta por cima, porque não tinha volta a ser dada. Naquela época, Portugal não era o horizonte dourado visto por brasileiros hoje em dia. Não dava para se enfiar novamente no vapor e retornar às aldeias.
Portanto, quando se imaginou o fim da Lusa – e isso ficou perto de acontecer em meados da segunda década do século XXI –, excluíram da análise esses “pequenos” detalhes. Ou esqueceram… Vai saber.
Mas é a Portuguesa. De fato, ela não tem grande torcida como os demais gigantes clubes do País. Mas é a Portuguesa. De fato, ela m-o-m-e-n-t-a-n-e-a-m-e-n-t-e está sem divisão. Mas é a Portuguesa. De fato, ela está com um orçamento apertado e, de fato, uma boa parte dos seus se entristeceram a tal ponto que lhe viraram às costas. MAS É A PORTUGUESA, OPÁ!
Tanto que não precisou três campeonatos seguidos na Série A-1 do Paulista para que ela novamente estivesse em um mata-mata decisivo. E na esteira discutirem regulamento, carga de ingresso e blá blá blá. Por quê? Porque é a Portuguesa, meu caro.
É a Lusa de Pinga, de Candinho, de Badeco, de Nino, de Capitão, de Dener, de Eneas, de Toninho, de Eduardo, de Serginho, de Edu Marangon, de Rodrigo Fabri, de Zé Roberto, de Zé (s) Maria (s), de Calegari, de Célio, de Esquerdinha… De tantos e tantos… De Wilton Goiano, de Cesar Augusto, de Emérson, de Alex (s) Alves (s), de Otto Glória, de Benazzi, de tanta, mas de tanta gente… De Diogo, de Weverton, de Edno, de Jonas, de Jorginho e tantos e tantos outros.
Portanto, quando ela calçar as chuteiras neste próximo domingo à noite… Quando ela colocar a camisa verde-encarnada… Quando ela puser os meios em verde-vermelho… Quem entrará em campo não será apenas São Thomazella ou Patrick ou Tauã ou Giovanni Augusto ou Dourado ou quem quer seja… Quando ela subir as escadas da lendária Vila Belmiro, subirá com ela a imagem do já Rei Pelé coroando Ivair como Príncipe.
Meu caro, a vitória rubro-verde é a resiliência. Porque se não aprenderam, aprendam. Podem criar os mais diferentes obstáculos, podem imaginar novas formulações de campeonato, porque enquanto na face de Terra tiver um cidadão com a camisa da Portuguesa. A mística não morre. Porque a Portuguesa nunca, nunca vai acabar. Pra cima deles, Lusa!
* Maurício Capela é jornalista há 28 anos. Comentarista, já trabalhou em diversos veículos, como RedeTV!, 105 FM, Tropical FM, Veja, Valor, Gazeta Mercantil.
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NETLUSA