15 de dezembro de 1996. A tarde de domingo chegava ao seu fim, deixando que a lua começasse a dominar o céu de Porto Alegre. O Olímpico se transformara em um mar azul bem barulhento. Em campo, os ataques gremistas pareciam ondas em fúria, uma após outra tentando naufragar a nau lusitana.
A derrota parcial por 1 a 0 era o suficiente para a Portuguesa, que havia vencido o jogo de ida no Morumbi por 2 a 0, conquistar o inédito título brasileiro. Mas era também uma vantagem frágil, que, mar a dentro, os lusos defendiam desde os minutos iniciais do jogo, quando Paulo Nunes abrira o placar para o Grêmio.
Os 11 de verde e vermelho lutam bravamente. Encolhidos atrás da linha de meio campo, protegem a meta como Camões, séculos antes, havia protegido Os Lusíadas. Cada um, à sua maneira, vive sua própria epopeia.
40 minutos do segundo tempo. Carlos Miguel, no centro do campo, lança em direção ao gol. Desiquilibrado após dividir com o atacante rival, César cabeceia sem força, praticamente escorando a bola para Ailton. 12 metros separam o gremista do goleiro Clemer. 12 metros e a história, para ser mais claro. Ele chuta de primeira, com força e com a raiva de quem por mais de 80 minutos persegue o gol.
Clemer, quase que em um movimento instintivo, salta para a esquerda, embora não houvesse muito o que fazer. O tempo passa em câmera lenta, o estádio se silencia. Ailton não chutou sozinho, o Olímpico inteiro chutou com ele. O goleiro cai no gramado sem encontrar a bola. Um som rompe o estádio. Não são vozes, não há gritos. Todos estão mudos. Do ponto mais alto da cancha é possível escutar o estouro da redonda junto à trave.
A bola passa em frente à meta verde encarnada como se provocasse os gremistas. Émerson, o outro zagueiro, a persegue e sem muito pensar a afasta para o mais longe possível, embora não houvesse nenhum rival por perto para desarmá-lo. O pulso ainda pulsa.
Cercada pelo mar azul, a ilha lusitana solta a voz na arquibancada. Canta alto, quer ser ouvida no campo. Mas não demora para ser engolida pelo oceano de vozes azuis. As ondas ficam ainda mais fortes.
Candinho, na área técnica, anda de um lado para o outro. Tenta sem sucesso esconder o nervosismo para os seus atletas. Chama Roque, que entra no lugar de Rodrigo Fabri, o destaque daquele Brasileirão. Mais um volante em campo, mais um para defender. Nervoso, Roque entra em campo tremendo. Mal se recorda do que o treinador dissera momentos antes.
44 minutos. O tempo é relativo. Para os lusos, teima em não passar. Aos tricolores, é mais rápido do que o vento. Capitão, no nome e pela faixa, reorganiza sua tropa: ˜Só faltam cinco minutos, só faltam cinco minutos. Vamos!”. Ele grita. As pernas pesam, a cabeça já não pensa com a mesma velocidade. O ouvido sofre com o barulho da arquibancada. Mas é preciso seguir.
Mais um escanteio. Já foram tantos. Carlos Miguel calibra o pé. O cruzamento sai em arco, direcionado à marca do pênalti. Zé Alcino voa e cabeceia sozinho. A bola parece ter endereço certo até que Roque, quase sobre a linha, a vê batendo em sua coxa e chuta. Já não treme mais. Apenas vibra.
Minutos intermináveis se passaram até que Marcio Rezende de Freitas encerrou o jogo. Dizem que ele apitou tão alto que foi possível escutá-lo até do Canindé.
Um Olímpico atônito vê a Portuguesa ser campeã brasileira. A pequena ilha faz festa na arquibancada. Mesmo a mais de 1000 quilômetros de casa, transforma uma parte do estádio em sua casa.
Na manhã seguinte milhares tomam o Aeroporto de Congonhas e os arredores. Recebem os jogadores de braços abertos e os levam até o Canindé, aonde tantos outros adeptos aguardam.
Uma enorme carreata acompanha o ônibus. Durante o trajeto, as pessoas acenam das janelas. Muitos aguardam na calçada para saudar os campeões. Mesmo quem não torce para a Lusa faz festa. Seria um sonho? São Paulo virou verde e vermelha…
Por Elcio Mendonça, para o Doentes por Futebol