Marcos Teixeira: O vira à espanhola da tocata de Martinez

No encontro entre dois times que não jogaram como sabem, venceu quem tentou vencer e, ao cabo, teve mais sorte. Para sábado, porém, pode não bastar

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Foto: Divulgação/Federação Portuguesa de Futebol

Johann Sebastian Bach é um dos grandes gênios da música universal. Nasceu em Leipzig e uma de suas obras mais consagradas é a Tocata e Fuga em Ré Maior. Roberto Martinez, por sua vez, é espanhol. Não sei se é um fã do maestro alemão, mas já deve ter ouvido alguma tocata portuguesa com suas concertinas, bumbo, reco-recos e cavaquinhos – a castanhola é opcional.

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A concertina é o principal instrumento das tocatas dos ranchos folclóricos portugueses. Quanto aos demais instrumentos, é prudente que o gajo que toca o cavaquinho saiba tocar o cavaquinho, como o senhor responsável pelo bumbo tenha a perícia necessária para não atravessar o ritmo.

Mas que raio tem a ver isso aí com o jogo de Portugal? Ora, tudo! Basta ver como a equipe entrou em campo e perceber que, se se tratasse do conjunto que acompanha os dançarinos, os instrumentos estavam trocados.

Prevendo uma linha de marcação capaz de pressionar a saída de bola lusa com Kuchta, Souček e Provod, Martinez escalou Portugal com três zagueiros e quatro (ou cinco) no meio e três (ou dois) no ataque. A surpresa era a presença de Nuno Mendes jogando terceiro central, pela esquerda. Assim, João Cancelo faria a ala de mesmo lado, com Diogo Dalot na direita, o que não é novidade. Quem dançou foi João Palhinha, de grande imposição física, para que Vitinha fizesse a saída de bola atrás dos marcadores.

“Jogadores mais técnicos para romper essa primeira barreira”, deve ter pensado o espanhol.

Com a bola, Nuno Mendes avançava como lateral e Cancelo tinha liberdade para vadiar pelo meio e Portugal passava a jogar num 4-3-3 para explorar os espaços que surgiriam depois que fosse superada a primeira linha de marcação. O problema é que a República Tcheca surpreendeu, chegando a ter até seis jogadores alinhados à frente da sua área, com os outros quatro mal cruzando a linha de meio-campo, e os atacantes Kuchta e Schick só sendo assim chamados na ficha do jogo.

Vocês já devem ter visto o episódio do Pica-pau envelhecido e amassando o bico quando tentava passar uma árvore. Foi a representação perfeita de Portugal no primeiro tempo: tentava o passe em profundidade e a bola batia e voltava, muito em função de o jogo pedir o passe a rasgar para um dos da frente receber em diagonal, mas o que havia era um excesso de carregadores de bola e avançados com pouca movimentação. Vitinha desfilava, Cristiano saia da área e buscava associações e o acerto do último quase não acontecia. O melhor passador, Bruno Fernandes, estava encaixotado pela marcação e a falta de movimentação dos gajos frente não ajudava em nada.

Para piorar, a segunda bola na defesa nos poucos momentos em que os tchecos afastaram o rabo da sua linha de fundo era deles. E foi assim que saiu o gol tcheco, no início do segundo tempo: dois cruzamentos seguidos, sete dos de vermelho na área e ninguém para impedir que Provod pegasse sozinho para inaugurar o placar.

Imediatamente, Rafael Leão – que ganhava todas as jogadas e as desperdiçava, uma a uma – e Diogo Dalot foram trocados por Diogo Jota e Gonçalo Inácio, respectivamente. Portugal assumia de vez o 3-5-2, mas sem improvisações e com laterais capazes de chegar ao fundo. E o empate veio com uma boa dose de: Bernardo Silva recuou as soberbo Vitinha, que cruzou no segundo pau, onde fechava Nuno Mendes. Stanek espalmou para a frente e encontrou a perna de um infeliz Hranác, que voltaria a estar ligado ao infortúnio dos seus. E foi justamente a tempo de impedir que uma pressão maior pesasse sobre Portugal, que seguiu criando pouco e, com o tempo, com o cansaço acusando.

Não sei se Roberto Martinez confia muito nos titulares e pouco nos suplentes que ele mesmo escolheu, mas a demora a voltar a trocar jogadores por mais frescura nas pernas teria feito inveja a Fernando Santos em seus dias mais, digamos, sonolentos. Só no minuto 90 é que atirou os seus à frente. Um pouquinho antes, em nova jogada pela direita, o penúltimo dos 29 cruzamento encontrou a cabeça de Cristiano Ronaldo, que atirou ao poste e sorriu ao ver Diogo Jota carregar a recarga também de cabeça para o gol, anulado por meio peito de CR7 à frente.

Quando tudo parecia definido e nos preparávamos a voltar ao velho hábito de sacar a calculadora à algibeira – ou a caneta à orelha -, a sorte decidiu soprar a careca de Martinez novamente: Pedro Neto e Francisco Conceição, o “espalha brasas”, mal haviam entrado e decidiram o jogo na única intervenção de ambos. O extremo do Wolverhampton ganhou a dividida pela esquerda, tal como Leão teria feito, mas passou tenso para área, onde haveria um desvio, como Leão não teria conseguido fazer. Hranác se enrolou todo com a bola e ela ficou às ordens do portista, que encheu o pé e carregou Sérgio Conceição para o grupo em que somente os italianos Enrico (o pai) e Federico Chiesa (o filho) estavam: o de marcadores na Eurocopa sendo pai e filho.

No próximo sábado, dificilmente a Turquia dará tanto campo a Portugal. Também não é razoável pensar que Vitinha será suficiente para segurar Çalhanoğlu, Kökçü e Arda Guler, ainda mais com tantos turcos a viverem na Alemanha, suficientes para transformar o Signal Iduna Park em uma sucursal do inferno para alguém que se demonstrou incapaz de reagir às adversidades tão logo apareceram.

Que a tocata de Martinez esteja ensaiada e com cada gajo com o instrumento de costume.

* Marcos Teixeira, 45, é jornalista, lusitano e colunista do site Ludopédio.org

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NETLUSA


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Rodolfo Vicente Teixeira
Rodolfo Vicente Teixeira
5 meses atrás

Grande virada de Portugal, que venha o próximo desafio.

Luiz Carlos da Costa
Luiz Carlos da Costa
5 meses atrás

Técnico ruim Bruno e Bernardo boicotando CR7 errando passes propositais não pensando na nação mas no ego deles que não aceitam que CR7 ama Portugal e tem levado a seleção a ser respeitada ou tira o CR7 ou Bruno e Bernardo caso contrário quero estar enganado não vai longe

j alex - atibaia
j alex - atibaia
5 meses atrás

confesso que tbm lembrei do Fernando Santos, – próximo sábado vai ser uma pedreira, espero que o espanhol esteja mais ligado e não demore tanto tempo para ver o que todos veem.