Um grupo de 18 torcedores se aventurou e viajou no último domingo até Tombos, em Minas Gerais, para acompanhar o jogo que rebaixou a Portuguesa para a Série D do Campeonato Brasileiro. Estive nesta aventura, que contou, além do rebaixamento, com um pneu furado numa estrada sem luz. Confira:
VOCÊ JÁ VIU?
O que a história dirá de nós afinal?
O início
O ponteiro do relógio já batia 3h do domingo e fazia frio. Era hora de partir rumo a Tombos, em Minas Gerais. Faixas, bandeiras e instrumentos já no bagageiro. Dezoito torcedores se acomodam no ônibus, que saiu da sede da torcida uniformizada Leões da Fabulosa, no bairro do Pari. Era o início de uma epopeia lusitana. A esperança no rosto de cada pessoa na viagem de ida era notória. Mesmo com a queda iminente, a fé estava presente naquela aventura.
Nos primeiros bancos, um senhor visivelmente calejado com tantas decepções, mas sempre com a esperança pulsando no seu coração. Ao lado, um torcedor mais experiente, não menos confiante, ao lado de seu filho. Mais ao fundo, três irmãos, sendo uma menina e um adolescente. Nas últimas poltronas, o batuque rola solto, e os cantos de apoio à Lusa remetiam a uma viagem rumo a alguma final.
Mais de 700 km separavam os fanáticos torcedores do Estádio Antônio Guimarães de Almeida, local do jogo entre Portuguesa e Tombense. No caminho, passagens por diversos lugares. São José dos Campos e Taubaté, Volta Redonda, Três Rios, Sapucaia e Além Paraíba, Muriaé e Carangola – cidades e redondezas que, em caso de rebaixamento, podem receber nova visita lusitana em 2017, mesmo que de passagem.
Durante a viagem de ida, três paradas. Duas para comprar bebidas e utilizar o banheiro. A terceira, para almoçar. Um restaurante na pequena Miradouro nos recebeu. Comida gostosa e barata. R$ 15 e os torcedores puderam comer à vontade. Depois da refeição, o cansaço ficou mais visível. Os cantos e batuques aos poucos deram lugar ao merecido sono. Alguns ainda hesitaram em não dormir. Queriam aproveitar cada segundo daquela viagem.
As horas foram passando e a cidade de Tombos ficou mais próxima. No caminho, estradas ruins e ruas esburacadas. O relógio já chegava às 13h. “Caralho, cadê essa cidade?”, gritou um torcedor. A demora apertava os corações.
A chegada
Quando o ponteiro do relógio se aproximava das 15h, uma voz anunciou, sem piada inclusa: “Chegamos em Tombos”. Ninguém acreditava. Depois de 12 horas, os torcedores desembarcavam na cidade. Olhares estranhos para o ônibus. “Quem são esses loucos?”, devem ter pensando os moradores. “Ô, Lusa eô”, entoavam os 18 fanáticos – ou 19. Com certeza o motorista se rendeu à emoção.
Ao chegar à porta do estádio – que fica localizado entre algumas casas da cidade -, torcedores do Tombense recepcionaram os lusitanos e perguntavam a duração da viagem. Após a resposta, bastante perplexos, indagavam: “Vale a pena viajar tudo isso?”. “Claro”, responderam os rubro-verdes, sem pestanejar. “Tô nervoso pra caralho”, disse um torcedor da Portuguesa. Todos estavam.
A entrada ao estádio foi liberada e os cantos de apoio à Portuguesa começavam já na porta. Nem mesmo a gripe de alguns e a rouquidão de outros foram capazes de fazê-los parar. Era decisão. Era o futuro da Lusa. Já acomodados e com as faixas e bandeiras postadas, o apoio seguiu.
Início de partida. Três oportunidades claras de gol perdidas e o medo passa a tomar conta de cada um. Mesmo assim, apoio incondicional. “A torcida da Portuguesa faz a festa no estádio mesmo em pouco número”, registrou uma repórter presente. Melhor no jogo, a Lusa sofreu o gol. O resultado rebaixava o clube para a Série D. Apito soou. Era intervalo. Antes do segundo tempo, gritei ao nosso técnico: “Coloca o Bruno Mineiro, Márcio”. Ele colocou. De nada adiantou. O resultado do jogo do Macaé ajudava a Lusa. Mas ela não se ajudava.
A tristeza
O Tombense fez o segundo gol e minou todas as esperanças dos torcedores. Choro compulsivo da nossa arquibancada e gritos de Série D da torcida adversária. O roteiro do desastre estava escrito, no aguardo apenas do apito final. Antes mesmo de o jogo se encerrar, os torcedores da Portuguesa se dirigiram para a parte externa. No caminho, um lusitano suplicou para um jogador adversário: “Entrega pra gente, por favor”. “Mas eles não chutam no gol”, respondeu o atleta.
Os ânimos se exaltaram e alguns torcedores da Lusa discutiram com jogadores do próprio time. À toa. O apito final decreta o rebaixamento. O choro de desespero, já presente na parte final do jogo, virou choro de desilusão, de tristeza. Os que demonstravam mais firmeza abraçavam os mais abalados. O apoio era necessário. O trajeto do estádio até o ônibus, em torno de 200 metros, parecia mais longo. Depois de 30 minutos, o automóvel deixou o local.
Era hora de voltar para casa. Era hora de enfrentar mais 12 horas de estrada, mas desta vez com o clima totalmente diferente. Era a tristeza no ar. No silêncio absoluto, o ônibus deixava o estádio. “Time medíocre”, gritei, admito, apontando em direção à porta do vestiário. A aventura, que inicialmente era de esperança e virou de tristeza, tornou-se um drama 30 km depois de Tombos.
Pneu furado
Durante a viagem, acordo com um torcedor desesperado: “Tá brincando que o pneu furou?”. Após a frase, o barulho, que antes parecia mais de um pneu murchando, virou um estouro. Foi o início da epopeia. Estávamos num atalho para a volta, numa estrada de terra, em Carangola, ainda em Minas Gerais. Na vizinhança, apenas uma casa, com criação modesta de gado. Mais adiante, uma casa de oração. Mais ninguém. Ninguém. Todos aguardavam a troca do pneu. Era só pegar o estepe. “Fodeu. Não tem estepe”, gritou um torcedor.
O ônibus ficou ali, parado, no meio da estrada – a 15 km de uma cidade e 13 de outra. Um carro se aproximou. Três mulheres e duas crianças se dispuseram a ajudar. Elas levaram o motorista para uma cidade próxima, em busca de um borracheiro, e ficamos esperando, esperando, esperando… Pessoas passavam, perguntavam se precisávamos de ajuda. O morador da tal casa citada chegou com sua esposa. “Tira o ônibus daí. Os carros vêm fedendo”, disse ele, com indisfarçável mineirice, alertando sobre o perigo. “Tirar como? A chave está com o motorista”, respondeu um torcedor. Momentos depois, a Polícia Militar chegou para dar amparo. Explicamos a situação e que um rapaz já havia ido para uma cidade próxima. Os policiais anotaram os nomes de dois responsáveis, eleitos pelo grupo, e deixaram o local.
Jamaika, como o motorista era chamado, chegou uma hora depois, mas sem pneu e sem borracheiro, que não quis percorrer alguns quilômetros para ajudar o grupo de torcedores. Era necessário ir ao centro de Carangola. E lá se foi Jamaika, depois de tirar o ônibus do caminho dos carros. Depois de algumas horas, já próximo da madrugada, um odor ruim começou a tomar conta do automóvel por causa do forte calor. Junto vieram a fome e a sede.
Mineiros hospitaleiros
“Chama o pessoal para tomar água”, disse um dos torcedores. Um rapaz que morava atrás da casa de oração, uma espécie de zelador – e que infelizmente eu não me recordo o nome -, nos trouxe uma garrafa d’água e um copo. A sede momentaneamente foi embora, assim como a esperança de deixar o local mais cedo. “Tô ferrado. Vou ter que faltar no trabalho amanhã”, falou um lusitano. Esse era o pensamento de todos. Inclusive o meu.
“Será que não tem uma pizzaria aqui perto?”, perguntou um torcedor da Lusa ao homem da casa. Não tinha. Em São Paulo, tem um restaurante a cada esquina. No meio da estrada, sem nada por perto, era difícil. Depois de alguns minutos, o mesmo rapaz retornou e deu uma solução. A sua irmã tinha uma lanchonete em outra cidade, mas estava fechada. Sabendo da situação da torcida, ele ligou e pediu para que ela fosse até o seu restaurante para que fizesse os lanches. “Vamos pedir tudo igual”, eu disse. “Isso. Eu quero três”, respondeu outro torcedor. “Eu, dois”. “Eu também”. Todos queriam. Foram pedidos 25 hambúrgueres e seis refrigerantes, ao custo de R$ 350. Foi pouco perto da fome e do sofrimento.
Deliciamo-nos com os lanches. Comi dois. Confesso que não sei o que tinha no hambúrguer. Eu só queria comer. Nós só queríamos comer. Já de madrugada, nada do motorista. “Vamos ligar para ele”, falou uma torcedora. “Só dá caixa postal”, respondeu outro. O sinal na região era fraco. Somente uma operadora funcionava. O problema era a bateria. Viagem longa, sem tomada, sem celular. Quatro torcedores preferiram não esperar e pediram um taxi até uma cidade próxima. O número foi reduzido. Eram 14 torcedores agora. No meio da madrugada, acordo e pergunto: “E o motorista?”. “Ele está dormindo no bagageiro. O borracheiro só vem de manhã”, avisaram. Dormimos no escuro, sem luz alguma, no meio do nada, onde um carro passava a cada 30, 40 minutos, e com a decepção do rebaixamento no assento ao lado.
Acordamos com a claridade, por volta das 6h, ainda sem o borracheiro. “Só pode ser uma pegadinha isso. Cadê o Sergio Mallandro?”, perguntei, sem acreditar no que a gente vivia. “Relaxa. O ônibus do Luciano Huck vai chegar daqui a pouco pra resgatar a gente”, respondeu outro torcedor. Conseguimos ligar para o borracheiro. Ele chegou por volta das 9h. Tatu e seu ajudante chegaram em um Fusca. Nem parecia que estávamos vivendo aquilo. Sorrimos, enfim.
Nesta viagem eu descobri que os mineiros são bastante hospitaleiros. Enquanto Tatu trocava o pneu, dois carros pararam para ajudar. Um deles, inclusive, vendia queijos. Compramos, claro. Sem faca, cortamos o queijo com cartão de crédito. O vendedor ainda levou Jamaika para montar o pneu na borracharia do Tatu, enquanto ele ficou para colocar o pneu de trás na parte da frente. Já era 11h quando o ônibus andou. “Não estou acreditando que está andando”, falei. Todos concordaram.
Enfim, o retorno
Na volta, fizemos quatro paradas. A primeira, logo na cidade mais próxima. Precisávamos comer, já que a última refeição havia sido os lanches no dia anterior. Almoçamos no mesmo restaurante da ida. No mesmo local, havia um borracheiro. O motorista aproveitou para comprar um estepe. (Era necessário, não é?!) Depois, mais três paradas durante o trajeto. Fui acordado por um torcedor. Estávamos na Marginal Tietê. Eu não acreditava. Ninguém acreditava. “Ô, Lusa eô”, cantamos em alto e bom som. Caímos, mas chegamos. O relógio apontava 0h. Do outro lado do Tietê, o Canindé apagado nos dizia que estávamos em casa.
“Difícil, né, Caverna?! Vai ter que trocar de time”, perguntei para o torcedor símbolo da Lusa, o senhor que sentava nas primeiras poltronas, ainda no ônibus. “Ah, vai te catar. Vamos com a Lusa em qualquer divisão. Aqui é Portuguesa”, respondeu ele. Chegamos na sede da uniformizada, dois torcedores nos esperavam com a churrasqueira acesa. Era a recepção após 45 horas de estrada. A recepção à viagem regada à esperança, amor, drama… Até o Paulistão, da Série A2, de 2017, Lusa.
Por Lucas Ventura*, para o Portal da Band
* Lucas Ventura, redator do Portal da Band e torcedor da Portuguesa