Por Luís Alberto Nogueira*
ERA FELIZ E NÃO SABIA
PALMEIRAS 1 X 4 PORTUGUESA – 31/05/1987
Naquele domingo ensolarado, mas meio gelado, de maio, lembro de ter pego o jornal do meu irmão mais velho – umas folhas meio borradas, carregadas de tinta do hoje extinto Diário Popular – e ter tremido na base: o próximo adversário era o Palmeiras, que tinha o arqueiro Zetti como principal destaque. Tinha ficado um tempão sem levar gols e a equipe do Parque Antarctica parecia destinada a quebrar o tabu (não vencia o título paulista desde 1976). Já a Lusa estava em situação oposta. Amargava as últimas posições, uma crise profunda de relacionamento entre os dirigentes e os principais jogadores. O destino parecia ser o rebaixamento, que seria o primeiro de toda a história (mal eu sabia que 20, 25 anos mais tarde isso se tornaria uma rotina).
Cair era algo que dava um arrepio na espinha, uma enorme desonra, arranhar a nossa principal reputação. A Portuguesa não ganhava títulos, não tinha torcida, amarelava na hora H, mas era um time de respeito. Não se cogitava o descenso. O noticiário era quente: o então e célebre presidente Oswaldo Teixeira Duarte ameaçava uma nova noite do Galo Bravo – aquele evento em que ele dispensou meio time nos anos 70 – em caso de nova derrota para o Palmeiras. Ou seja, perder para um dos principais times do campeonato redundaria numa dramática demissão em massa. Um passaralho luso.
Ainda assim, o meu irmão mais velho não se fez de rogado. Depois da tradicional macarronada com frango da minha mãe, um clássico dominical daquela época, ainda na mesa, disparou para mim: “Vamos no jogo?”. A minha resposta foi um “sei lá, acho que vai ser uma sacolada hoje”. Um dos meus primos, que foi criado junto com a gente e hoje não está mais entre nós, sujeito espirituoso, lusitano fanático que foi preso certa vez por que soprava um apito idêntico a de um juiz numa partida e assim atrapalhava ataques adversários, me deu uma lição de moral. “E alguma derrota já me impediu de ir ver a Portuguesa?”
Rumamos para o Pacaembu, absolutamente lotado e todo decorado de verde e branco. Os torcedores do Verdão estavam animados, muita gente diziam que eles poderiam ser grandes novamente, essas baboseiras que a turma se apega, pode ver que não mudou muita coisa nesses anos todos. Dois setores estavam destinados aos lusos e estavam também igualmente ocupados (imaginar que muitos dos nossos jogos hoje não têm 200 pagantes). Lembro das bandeiras, do sol brilhante batendo no rosto que impedia de ver os ataques da gente e do Palmeiras amassando a Portuguesa nos primeiros minutos.
Logo estavam ganhando e as coisas pareciam tomar o seu curso natural. Sentado na arquibancada do Pacaembu pensava em por que eu torcia para aquele time que só me dava desgostos. Nunca ia dar uma volta olímpica, nunca ia gritar “é campeão”, essas coisas. Em pouco tempo, a Portuguesa empatou, num ataque isolado. Gritei gol como se fosse o último, choramos, nos abraçamos, e jurei para mim mesmo que nunca mais duvidaria do amor pelo meu time – você já deve ter imaginado quantas vezes quebrei essa promessa desde então…
No segundo tempo, aconteceu aquelas coisas que só ocorrem com o nosso time. O sobrenatural entrou em campo e a Portuguesa fez gato e sapato com o Palmeiras. Meu ídolo da época (sim, tínhamos ídolos e jogadores que de vez em quando apareciam na seleção brasileira), Toninho, saiu do banco para fazer o terceiro, driblando o goleiro e correndo em direção à nossa torcida. Para mim, ele tinha uns três de metros de altura. Ainda teria uma pintura de troca de passes que fecharia os 4 a 1 de virada, nos pés de Esquerdinha, pontinha que foi nosso técnico na última Copa São Paulo.
Ao fim da partida, os jogadores da Lusa saíram de campo todos juntos, abraçados. Nossa visão era apenas da penumbra e das luzes dos repórteres dentro de campo, já que os holofotes do Pacaembu estavam sendo desligados. Uma imagem que vai resistir até o fim dos meus dias, que nenhum rebaixamento ou vergonha de Licos, Lupas e asseclas vai apagar. Os palmeirenses já tinham ido embora, frustrados, duvidando agora do seu time que parecia tão favorito – e de fato não conquistariam aquele campeonato.
Foi a nossa oportunidade de dar a volta completa pelas arquibancadas do Pacaembu para sair pelo belo e imponente portão principal. Era a minha volta olímpica. Meu primo se virou para mim e disse: “Tá vendo como é bom torcer para a Portuguesa?”
* Torcedor da Lusa desde que se entende por gente. Herdou essa honra do pai e conseguiu passar para o filho. É jornalista, cinéfilo e não deixa passar um pastelzinho de Belém
Foto: Lucas Ventura/NETLUSA