Maurício Capela: Do Canindé para torcida: “Eu vivo em vocês e vocês vivem em mim”

Empate com o Novorizontino marcou último jogo da Portuguesa no estádio do Canindé antes das reformas na casa lusitana

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Foto: Ronaldo Barreto/NETLUSA

Meus filhos, vocês fizeram uma festa linda para mim. Confesso, que já chorei algumas vezes desde então e ainda me pergunto se sou merecedor de todo esse apreço de vossa parte. Sou humilde, tenho idade, não preciso me apresentar a vocês, meus filhos. Vocês me fizeram a muitas mãos, com muito suor e nada do que eu venha a dizer vai substituir o sentimento que nos une. Porque eu vivo em vocês e vocês vivem em mim.

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Nessas quase cinco décadas e meia, passamos apuros juntos. Conquistamos taças. Choramos doloridas derrotas e ainda nos perguntamos como puderam nos apunhalar pelas costas.

Mas o tempo cura tudo mesmo. E contra ele não adianta lutar. Ele é implacável tanto para as coisas boas, como para as ruins. É da vida.

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53 anos é uma caminhada para um estádio de futebol no Brasil ou em qualquer parte do mundo, eu sei. É como se eu já tivesse cem anos.

E vou confessar a vocês algo que muitas vezes, nós “pais” não gostamos de dividir. Eu sinto o peso da idade. Quando vocês pulam, gritam e vaticinam “Viva a Lusa do nosso Canindé”, eu me encho de orgulho, mas só eu sei o dia seguinte. As juntas, ah, as juntas, elas doem em todo canto. De todos os jeitos. Com intensidades das mais diversas.

Meus “joelhos”, meus filhos, que apoiam meu corpanzil também começam a apresentar o peso da idade. Às vezes, São Pedro não me poupa e manda cada aguaceiro, que no início até me faz bem, mas depois é cada goteira. Tudo bem, tudo bem, eu entendo, porque afinal dizem que eu tomei um pedacinho da várzea do Rio Tietê para ficar bonito ao longo do tempo. E seu Tietê, não me leve a mal, mas veja o que seria de sua marginal se eu não estivesse ali, com minhas torres de iluminação triunfantes e o escudo da nossa Lusa?!? Pois é…

Mas meus amigos, meus patrícios, eu estou indo embora. Mais algumas semanas e tudo vai se modificar. E confesso que eu já esperava algo nessa linha.

Faz um bom tempo que tenho notado mudanças. Ouvindo conversinhas… Perto de mim, mais para zona oeste, o meu velho amigo Parque Antarctica também foi generoso e cedeu seu espaço para o surgimento do Allianz Parque. Um pouco mais adiante, na zona leste, quando o burburinho era de Copa do Mundo, Itaquera acolheu o caçula de nossa cidade.

Agora, no sábado mesmo, ouvi falar que o meu dileto companheiro Morumbi poderá ser o próximo. E a Vila Belmiro – faz tempo que não vou à praia –, também vai vestir um novo costume. Aliás, vou aproveitar esse tempinho de descanso e ver se dou uma chegada no litoral, conversar com o meu bom e velho amigo Ulrico Mursa, lá em Santos (SP). Afinal, somos patrícios.

O que eu quero dizer, meus filhos, é que o futebol sempre foi um pretexto para recebê-los. Porque nessas quase cinco décadas e meia, o que eu mais gostava de ouvir era o barulhinho bom da chegada de vocês à casa. Já ali na soleira, eu os ouvia e sabia o exato momento no qual vocês adentrariam nossa “sala”. Era uma Casa Portuguesa, com certeza!

Lembro-me tão bem de tantas bandeiras, camisas. Quando subimos, pela primeira vez, da Série B para a Série A do Brasileiro, vocês comemoram tanto debaixo da coluna das numeradas, perto do caracol, que foi um espetáculo. A escadaria, então, não cabia mais ninguém. Que coisa fantástica essa lembrança.

Mas meus filhos, vou parar por aqui, porque já me correm algumas lágrimas ali no gol dos vestiários. E eu não quero me despedir com tristeza nessas linhas, porque é a primeira vez que vos escrevo em tanto tempo. Quero colocar essas reticências a serviço do futuro. Eu preciso descansar, vocês sabem. Vai nos fazer bem, vocês verão. Voltarei reluzente, revigorado, jovial.

Só que apesar de tudo isso, eu os continuarei a receber como um pai. Porque vocês sempre serão meus filhos, mesmo quando eu vestir um novo terno, o costume do século XXI, repleto de leds, letreiros, luzes e tudo mais. Pode não parecer, mas eu sou moderninho…

Minhas meninas, meus meninos, não é um adeus, é um até logo. Porque o bom filho à casa sempre torna. Pois como vocês dizem: “Viva a Lusa do nosso Canindé”. Até já!

P.S.: Em tempo, seu Pacaembu, a Lusa já jogou muito por aí. Já conquistou títulos relevantes e colheu eliminações doloridas. Veja a responsabilidade, hein! Meus filhos vão te chamar de lar. Por favor, os receba bem nesse meio tempo. É um intercâmbio. Com gratidão, Canindé!

* Maurício Capela é jornalista há 28 anos. Comentarista, já trabalhou em diversos veículos, como RedeTV!, 105 FM, Tropical FM, Veja, Valor, Gazeta Mercantil.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do NETLUSA


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