Início Notícias da Portuguesa Julinho e Enéas. Pai e filho de primeira da Lusa

Julinho e Enéas. Pai e filho de primeira da Lusa

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Foto: Dorival Rosa/Portuguesa

– Pai, o que é uma volta olímpica?
– Quando um time é campeão ele corre em volta do gramado com o troféu celebrando com a torcida.

– Ah, tá…

Enéas tem 9 anos e, deitado na cama na noite de sábado, ouve o pai de 37 anos. Eles acabaram de voltar do Canindé. Não comeram a pizza prometida e esquecida. A Portuguesa perdeu para o Vila Nova e segue na série C em 2016.


– Pai, você já deu alguma volta olímpica?

– Claro, filho. Ganhei vários títulos no futebol. E até uma medalha no basquete.

– Não, pai… Você já viu alguma volta olímpica no Canindé?

– Júlio Botelho Pereira é Pereira por parte do pai Nuno. Seria Orlando por parte da mãe italiana. Mas é mesmo Julinho Botelho por parte de Julinho Botelho, craque da Portuguesa dos anos 1950. A melhor Lusa.

– Nunca vi volta olímpica no Canindé. As decisões são sempre em estádios maiores.

– Verdade, pai. Como naquela goleada contra o São Paulo, né? Aquela que teve gol até do meio-campo! Foi no Pacaembu, né, pai?

– Isso. 7 a 2. Fomos campeões com Raí e tudo e depois de eliminar o Corinthians nas semifinais do Paulista.

– Mas a melhor de todas foi lá contra o Grêmio em Porto Alegre, né, pai? Pena que o vídeo não mostra a volta olímpica da Lusa.. A sua gravação acabou antes do finalzinho do jogo né? Pena que eu não acho na internet essa imagem!

Julinho Botelho sempre temeu que o legado do avô Nuno se perdesse e que o neto virasse corintiano ou torcedor do Barcelona, um pesadelo para quem é Portuguesa e português. Por isso catequizou o pequeno Enéas com vídeos editados e histórias adotadas da realidade.

– Sabe que é, filho? A imprensa não dá bola pra gente. Só vão falar da Lusa agora que a gente não voltou pra série B. Eles nunca falam da Portuguesa. Nem na internet.

Longo silêncio. Enéas olha pro distintivo da Portuguesa pintado pelo pai no teto. Ele não achou adesivo no mercado.

– Será que um dia eu vou dar uma volta olímpica, pai?

– Claro, Enéas. Vocês têm tudo para ganhar com a escola no intercolegial!

– Não, pai. Eu quero estar com você no estádio. Eu quero ver a Lusa campeã como você viu naquele 7 a 2 e naquele jogo contra o Grêmio! A gente vai ver junto né?

Julinho respondeu o “sim” mais não da vida. Enéas abriu o sorriso que até então era mais choro, levantou os braços e beijou a testa do pai. Como imaginando a mesma conversa que terá no futuro com o filho dele. Ou filha. Ele não sabe. E nem se sabe se ela poderá se chamar Dener.

– Boa noite, Enéas. Durma com os anjos.

– Pai, pai… Quando começa a série C? Vamos no primeiro jogo?

– Claro, filho. Claro…

Julinho apagou a luz e fechou a porta e viu depois de muito tempo uma luz e um túnel. Todas aquelas mentirinhas que ele contara ao Enéas pareciam fazer efeito. O legado “maldito” do avô parecia perpetuado. Enéas acreditara naquelas voltas olímpicas na própria história. Ele era rubro-verde de avô e pai.

Enéas esperou Julinho sair do quarto e de perto para chorar fundo. Ele não queria decepcionar o pai. O pequeno homem de 9 anos estava arrasado com mais uma dor. Mais um ano de C para quem sabe mais um de B só em 2017.

Quando enxugou as lágrimas de criança, Enéas ainda ouviu os passos do pai. Julinho colocou a mão na maçaneta com um pensamento impensável: “vou falar para o Enéas torcer para quem ele quiser”. Passou rápido. Voltou para o quarto e tentou dormir. Isso não se pensa.

Só então Enéas ligou o smartphone. Acessou pela enésima vez o gol de Ailton para o Grêmio, na decisão do BR-96. Já viu mais de 100 vezes. E não entende como aquela bola entrou e deu o título para o Grêmio.

Com raiva, saiu do YouTube e entrou no perfil fake que criou no Twitter. @castrilliladron. E falou mal de todos os árbitros de todos os jogos da Lusa.

Só então Enéas suspirou e olhou pela última vez para o teto antes de dormir. Viu o símbolo da Lusa e agradeceu ao pai por pintá-lo no teto do quarto. Mesmo que sendo de terceira.

Texto do jornalista Mauro Betting, para o seu blog no Lancenet.

Foto: Dorival Rosa/Portuguesa

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