“Só tenho saudades mesmo”. Foi com esta frase que Antonio Jesus da Conceição, de 73 anos, terminou a sua última entrevista em sua lanchonete. Dono da ‘Tri-Fita Azul’, no Canindé, Toninho, como é conhecido nas alamedas do clube, vive os últimos momentos de seu restaurante.
A reportagem do NETLUSA esteve na Portuguesa, na última quarta-feira, para conversar com o responsável pela tradicional lanchonete, que vai fechar as portas nesta quinta-feira, cedendo o local para a Igreja Renascer. Explicamos a pauta para Toninho. Ele prontamente concordou. “Vamos lá”.
O clima era de tristeza, claro. E isso era visível no semblante do comerciante. São 40 anos ao lado da ‘Tri-Fita’. Ele tinha 33 anos quando foi a um jogo qualquer e resolveu comprar o espaço. “Eu tinha uma lanchonete na Rua dos Andradas, bem de baixo do puteiro, o 69. Não sei se você conhece… Depois vim ver um jogo em 1978 com o Miranda, que era meu sócio, e o dono ofereceu a lanchonete”.
“Subimos para falar com o Doutor Oswaldo [Teixeira Duarte, ex-presidente da Lusa]. Ele disse: ‘eu quero que trabalhem direito. Se for para melhorar, pode comprar hoje. Eu faço o contrato. A Portuguesa quer tanto de aluguel. A Portuguesa, não eu. E vocês resolvem com o homem lá'”, contou.
Desde então, Toninho é o responsável pela lanchonete mais tradicional do Canindé e conviveu com altos e baixos da Portuguesa. O sucesso da ‘Tri-Fita’ foi tão grande que ele chegou a ter três sócios. “Era eu e o seu Miranda. Depois foram quatro: seu Luiz, o filho do seu Miranda, o seu Miranda e eu”, relembra.
“Era uma maravilha. É uma vida. Até 2000 estava bom. Vivia lotado. A gente teve 70, 80 mil sócios. Aqui (apontando para a frente da lanchonete), você só via cabeça”.
Além de torcedores, a lanchonete recebia muitos jogadores diariamente, o que foi lembrado com carinho por Toninho. “Até o Dener vinha. Antigamente não tinha o CT, aí eles treinavam no Canindé e vinham comprar sorvete, lanchar. A torcida via, queria tirar foto”.
Hoje, no entanto, a situação é totalmente oposta. Sem divisão nacional, a Portuguesa amarga um longo período sem jogos oficiais. “Não tem movimento. Não tem nada. O movimento hoje é de R$ 10, 15 mil por mês. Antigamente era de R$ 70, 80 mil”.
Um exemplo da crise que atormenta a Lusa está ligado diretamente aos famosos bolinhos de bacalhau. “Quando tinha jogo, fazia uma média de mil bolinhos. Hoje em dia sempre sobra. Faço 150 e sobra uns 30, 40”.
O baixo movimento de clientes refletiu no atraso do aluguel. Toninho, que já chegou a pagar R$ 5,5 mil por mês pelo espaço, não consegue arcar com os atuais R$ 3,5 mil. “Uns mil reais dava para pagar, porque aí eu ia mantendo. Tentei conversar com eles. O Mané Fura Bolo (Manuel Reis, vice-presidente) é da minha terra, mas falou que ia passar para a igreja”.
“Eu tinha vendido para a igreja no ano passado e eles barraram. Pediram R$ 12 mil de aluguel e a igreja não quis. Agora tive que vender”, disse Toninho, que fez um acordo para ceder o ponto para a igreja.
Toninho não tem dúvidas ao afirmar que nunca viu um momento tão calamitoso no Canindé nesses 40 anos. “É a pior fase. Não lembro da Portuguesa estar numa situação dessa. Antigamente tinha presidente, os caras aí… Lembro quando a Portuguesa devia um pouquinho, o doutor Oswaldo já gritava: ‘a Portuguesa não pode gastar mais do que ganha'”.
O ex-presidente da Lusa, inclusive, é citado pelo comerciante em diversos momentos durante a entrevista. “Nas festas juninas, ele ia ver as barracas funcionando. Ele falava: ‘vamos ver se dá para comprar jogador’. Não é dar dinheiro para jogador do jeito que fizeram aí”, lembra Toninho, citando um dos casos da advogada Gislaine Nunes.
“Tem a piça de um jogador aí de R$ 12 milhões. E acho que ele nem jogou. Ou só jogou três ou quatro jogos. Sabe o que é uma piça de R$ 12 milhões? É um abandono. Queria ver se fosse deles, se fariam isso”, lamentou.
Enquanto analisava a situação da Portuguesa, Toninho olhava para o clube, com certeza relembrando os tempos áureos da querida Lusa. “Não temos mais piscina, o clube acabou. Tem sócio? Não tem!”.
Atualmente, o clube recebe diversos eventos em suas dependências, o que gera reclamações de Antonio. “Isso aqui (apontando para o bar) é fechado. A balada é deles. Eles não deixam ninguém vir para cá porque têm o comércio deles lá dentro”. “Esses caras arrebentaram tudo. Tiraram os quiosques… A gruta falaram que vão levar para frente, mas não vão tirar daqui. Lá vai ficar uma réplica”.
Receita para reagir
Na visão de Toninho, a Portuguesa só tem uma forma de retomar o sucesso do passado: recorrer às categorias de base. “Se você faz um, dois jogadores, e vende por R$ 20 milhões, vai pagando a dívida. Fora isso… Eles acham que com festa dá? Dá nada!”.
“Tem que juntar uma turma honesta na categoria de base”. “Mas tem?”, pergunto a ele. “Tem, mas não quem está aí. Se não tem capacidade, você dá para outro. Por que não deram para o cara do Bradesco? Porra, ele ia montar o time, ia pagar, ia dar comissão para eles… Tem muito interesse. Por isso que está nessa situação”.
O ‘cara do Bradesco’ citado por Toninho é Mario Teixeira, atual dono do Audax e do Oeste e que tinha o interesse de gerir o futebol da Portuguesa em 2016. O negócio, no entanto, não evoluiu.
Distância da Lusa? Jamais!
Torcedor e sócio remido da Portuguesa, Antonio garante que não vai ficar longe do clube que tanto ama e que irá aos jogos. “Não estou de mal da Portuguesa. Time do coração a gente tem e, como diz o outro, acaba tudo, mas o amor continua”.
Antes de concluir a entrevista, o famoso Toninho deixou um recado para a torcida rubro-verde. “Não fui eu que derrubei a lanchonete. Foi o time que derrubou o clube e caiu todo mundo”, lamentou ele, que continuou, visivelmente magoado. “Infelizmente fico triste, mas sou obrigado a me despedir do clube. Sinto muito. Conheço a torcida, a maioria deles… Só tenho saudades mesmo”, encerrou Toninho, a conversa de quase 20 minutos e uma trajetória de 40 anos ao lado da Lusa.
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